SALAS DE EXPOSIÇÃO

O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO DE BRASÍLIA

1963-1964

Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

O professor Paulo Freire, designado pelo Ministro da Educação e Cultura, Paulo de Tarso, para presidir a Comissão de Cultura Popular, deslocou-se de Recife para Brasília, no mês de junho de 1963, com o objetivo de implantar, nessa cidade, o Sistema Paulo Freire. Na sequência, é instituída a Comissão Regional de Cultura do Distrito Federal, sob a presidência de Jomard Muniz de Brito e tem início o projeto de alfabetização na capital federal cuja finalidade consistia em desenvolver e avaliar as atividades de alfabetização por meio do método Paulo Freire, para verificar a pertinência de sua adoção em âmbito nacional.

Na execução do projeto, foi constituída uma equipe integrada por coordenadores e supervisores. Aos coordenadores cabia a condução do trabalho pedagógico nos círculos de cultura que se realizavam de segunda a sexta-feira. Tradicionalmente, ocorriam dois círculos por noite, com uma hora e meia de duração cada círculo. Os supervisores eram responsáveis pelo acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos nos círculos, buscando solucionar as dificuldades e esclarecer as dúvidas da equipe de coordenadores.

O desafio era ensinar a ler, escrever, politizar e conscientizar 28 mil analfabetos no período de um ano. Para o desenvolvimento da experiência de Brasília, foram criados círculos de cultura — espaços concebidos, por Paulo Freire, para a aplicação do seu método de alfabetização, com foco em diálogos e debates sobre temas relacionados à vivência dos trabalhadores-alfabetizandos. Nessa acepção, de forma coerente com a proposta de educação emancipatória defendida pelo educador, o trabalho pedagógico do professor é assumido pela ação do coordenador do círculo de cultura.

A divulgação dos cursos de alfabetização era realizada pelas equipes de trabalho, por meio de alto-falantes instalados em veículos que percorriam as cidades-satélites, transmitindo as mensagens: “Povo analfabeto é povo escravo. Matricule-se no Círculo de Cultura mais próximo e aprenda a ler e a escrever!”

Por várias vezes, Paulo Freire referiu-se de forma bastante positiva a um comício, realizado em Sobradinho, para a divulgação dos cursos de alfabetização, onde foi feita demonstração do funcionamento do círculo. Um animador projetava slides com palavras geradoras e mantinha com a plateia uma discussão em torno da importância de saber ler e escrever e da metodologia que seria usada no trabalho, prestes a começar (ver Método Paulo Freire e a leitura do mundo).

Os primeiros círculos de cultura popular na nova capital, criados nas cidades-satélites de Sobradinho, Gama, Núcleo Bandeirante, Taguatinga e na Vila Planalto, funcionavam em igrejas, galpões ou escolas. As suas instalações eram muito simples, com pouco mobiliário e alguns possuíam apenas lampiões ou velas para iluminação. Segundo fontes consultadas, foram também criados círculos de cultura para o atendimento a servidores da Novacap e da Prefeitura do Plano Piloto, com previsão de instalação de novos círculos em Planaltina, Brazlândia e outras localidades.

1963

Círculos de cultura

O planejamento dos cursos de alfabetização pela Comissão Regional de Cultura Popular de Brasília previa duas fases. A primeira seria realizada no segundo semestre de 1963, com as seguintes etapas: i) início do curso de coordenadores (julho e agosto); ii) início dos círculos de cultura; iii) término da primeira fase – alfabetizados. No desenvolvimento da segunda fase, que seria iniciada em dezembro de 1963 e concluída em abril de 1964, eram previstas as seguintes etapas: i) início do curso de coordenadores (dezembro); ii) início dos círculos de cultura (2 de janeiro de 1964); e iii) término da segunda fase – alfabetizados (2 de abril de 1964).

Os coordenadores e supervisores dos grupos foram selecionados e capacitados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Para se candidatarem, exigia-se dos interessados terem concluído o curso médio do segundo grau, ser normalista cursando o 3º ano ou, ainda, ser professor primário ou secundário devidamente registrado. Ressalte-se que, em Brasília, houve necessidade de flexibilizar os pré-requisitos para seleção dos coordenadores dos círculos de cultura devido aos centros de educação secundária e superior ainda estarem em construção nessa época, não sendo possível recrutar um número suficiente de coordenadores com a escolaridade exigida.

O passo seguinte consistiu na capacitação dos candidatos selecionados, tarefa considerada fundamental por Paulo Freire para o bom desempenho pedagógico nos círculos de cultura. A formação de supervisores e coordenadores em Brasília e Goiânia foi iniciada pelo próprio educador. O primeiro curso de formação institucional foi realizado na Universidade de Brasília (UnB), em 25 de novembro de 1963, e sua aula inaugural contou com a participação de Paulo Freire como conferencista.

A formação das equipes responsáveis teve continuidade ao longo do processo de alfabetização, por meio de cursos promovidos pela Comissão Regional de Cultura Popular do Distrito Federal, bem como em encontros sistemáticos realizados por Paulo Freire com os supervisores. Cabe destacar que, no decorrer da experiência de alfabetização em Brasília, o educador acompanhou, passo a passo, as atividades realizadas nos círculos de cultura.

A experiência de alfabetização em Brasília encontra-se registrada na coleção de 29 imagens captadas pelo fotógrafo Deobry Santos, que compõem o Dossiê Paulo Freire, do acervo do Museu da Educação do Distrito Federal.

A singularidade da experiência de Brasília deve-se ao fato de ter sido precursora do Plano Nacional de Alfabetização (PNA) e a única a finalizar os cursos das primeiras turmas de alfabetizandos, que vieram a participar de formatura e receber estímulo à continuidade dos seus estudos. Segundo Paulo Freire:  

Poesia “Canção para os Fonemas da Alegria”, de Thiago de Mello, na voz de Josenita Soares de Oliveira Miranda.

Foto: Divulgação

Em janeiro de 1964, teve início a segunda etapa do projeto, destinada à formação de novas turmas de alfabetização. Conforme o planejamento da Comissão Regional de Cultura Popular de Brasília, ampliou-se o quantitativo de círculos de cultura, para atender as localidades ainda não contempladas pelo projeto, bem como procedeu-se à seleção e capacitação de novos coordenadores e supervisores, dando início aos cursos.

Inesperadamente, quando esses cursos estavam em pleno andamento, suas atividades foram interrompidas em decorrência do golpe militar de 31 de março de 1964. As ações em massa de alfabetização de adultos foram consideradas subversivas pelo governo ditatorial que assumiu o poder. Em 14 de abril de 1964, o Programa Nacional de Alfabetização (PNA) foi oficialmente extinto por força do Decreto n.º 53.886, que determinou o recolhimento de todo acervo utilizado pelo programa (Ver O golpe militar de 1964 e a perseguição a Paulo Freire: Fim da experiência de alfabetização em Brasília e do PNA).

Círculo de Cultura

por Deobry Santos

SALA 3

Da redemocratização a 1996

  • Contexto histórico
  • O Método Paulo Freire
  • Projeto Piloto de Alfabetização/Brasília
  • Plano Nacional de Alfabetização
  • A interrupção do programa com o golpe militar