Exposição Virtual
Foto: Arquivo Público do Distrito Federal
A experiência de Brasília, como um projeto-piloto de alfabetização de adultos a ser disseminado para o restante do país, foi subitamente interrompida pelo golpe de Estado que instaurou a ditadura militar no Brasil, a partir de 31 de março de 1964. As atividades educativas e culturais desenvolvidas pelo referido projeto, no segundo semestre de 1963 e com expansão iniciada em março de 1964, foram tachadas de subversivas e ficaram impedidas de funcionar, diante da presença ostensiva das forças armadas no centro do poder e das ameaças à ordem democrática.
O golpe de Estado, que resultou na mais extensa das ditaduras militares da América Latina, instaurou, no país e em Brasília, um clima de arbitrariedade e opressão. A ditadura, que buscava eliminar o projeto de nação comprometido com os menos favorecidos e com a soberania nacional, atingiu, rapidamente, o grandioso Plano Nacional de Alfabetização (PNA), criado pelo presidente João Goulart, em 21 de janeiro de 1964. Por força do Decreto n.º 53.886, de 14 de abril de 1964, o governo militar revogou o Decreto n.º 53.465, que havia instituído o PNA há menos de três meses e determinou a recolha, pelo Departamento Nacional de Educação, de todo acervo e recursos utilizados na execução do Programa.
O vendaval que assolou o país espalhou, apreendeu e destruiu a maior parte dos registros e materiais utilizados por Paulo Freire e seus colaboradores, no projeto-piloto de alfabetização de Brasília, assim como nas experiências que o antecederam e nas atividades realizadas no âmbito do PNA. Em Brasília, já no dia seguinte ao golpe, iniciou-se a recolha do material didático utilizado nos círculos de cultura, inclusive nas residências dos supervisores e coordenadores do projeto, segundo depoimento da professora Renée Simas. Instalou-se um sentimento de medo nas comunidades beneficiadas pelo projeto, o que, muitas vezes, levou à destruição do material pelos próprios alfabetizandos e demais envolvidos.
Simultaneamente, teve início a perseguição a Paulo Freire. No dia do golpe, ele e Elza, sua esposa, encontravam-se em Brasília e, em meio a fortes tensões, foram acolhidos por um amigo, em seu apartamento. Curiosamente, tratava-se do então deputado federal da UDN, Luiz Bronzeado, seu ex-colega no curso de Direito, em Recife. Apesar de ser um parlamentar da situação, prevaleceu, em sua atitude, a amizade que mantinha com Paulo Freire desde a juventude. O casal permaneceu nesse local, em segurança, até o dia 13 de maio, quando viajou para o Recife.
Nessa data, que estava prevista para a solenidade de inauguração do PNA pelo presidente João Goulart, o Ministério da Educação divulgava, pela imprensa, um levantamento do material usado na campanha de alfabetização, com o arrolamento de um vasto equipamento fotográfico, avaliado em vários milhões de cruzeiros e publicações consideradas de caráter subversivo pelos gestores do regime militar. A volta à sua cidade natal acarretou a Paulo Freire novos transtornos, sendo submetido a interrogatórios e inquéritos administrativos e policiais militares. Acusado de subversivo, foi preso no dia 16 de junho, permanecendo nessa condição por 75 dias, em um quartel de Olinda, PE.
Foto: Domínio Público
Trecho do programa de rádio “Paulo Freire: o Andarilho da utopia”. O programa foi uma coprodução da rádio Nederland, emissora internacional da Holanda, com a CRIAR Produções Artísticas de São Paulo, gravada no estúdio Trilha Certa em novembro de 1998.
As medidas repressivas da ditadura militar também atingiram promotores e executores do projeto-piloto de alfabetização de Brasília. Como informam pesquisas realizadas na página “Memórias Reveladas”, do Arquivo Nacional, muitos inquéritos policiais militares tiveram de ser respondidos por pessoas envolvidas na experiência, desde os que ocuparam cargos no MEC até alfabetizadores que atuaram nos círculos de cultura.
Diante das circunstâncias e do risco de ser preso novamente, o educador foi convencido pelos amigos a deixar o país. Aos 43 anos, pai de cinco filhos e com uma carreira promissora, ele se viu obrigado a pedir asilo à Embaixada da Bolívia. Concedido o asilo, viajou para lá sozinho, no mês de setembro, e a família uniu-se a ele meses mais tarde.
Após uma rápida estada na Bolívia, Paulo Freire embarcou, em novembro de 1964, para o Chile a fim de trabalhar no Instituto de “Capacitación y Investigación de la Reforma Agraria” (Icira), no qual permaneceu até 1969. No Chile, havia, então, um clima favorável ao educador para desenvolver as suas teses. Vale lembrar que, naquele país, ele escreveu dois de seus livros mais conhecidos: Educação como Prática da Liberdade (1965) e Pedagogia do Oprimido (1968).
Em 1969, aceitou convite para lecionar nos Estados Unidos e passou a residir com a família em Cambridge, Massachusetts, onde atuou, durante 11 meses, como professor visitante da Universidade de Harvard.
Em 1970, a convite do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), mudou-se com a família para Genebra, Suíça, onde permaneceu até 1980, exercendo a função de consultor educacional na instituição. Durante a sua permanência no cargo, percorreu mais de trinta países, nos cinco continentes, levando os seus ensinamentos para orientar experiências educacionais, com destaque aos países africanos de língua portuguesa.
Paulo Freire e Elza viveram no exílio durante longo período, que perdurou 16 anos. Apesar da imensa saudade de sua terra e de sua gente, o educador encontrou motivação para perseguir seus ideais educacionais e contribuir para o desenvolvimento das comunidades nos países em que atuou. Acrescente-se ainda que, na sua peregrinação pelo mundo, Paulo Freire pôde consolidar e ampliar o seu conhecimento e difundir os paradigmas de uma educação transformadora e emancipadora.
No entanto, a ausência forçada do Brasil representou um retrocesso das políticas públicas, que visavam a erradicação do analfabetismo e a formação de uma consciência cidadã.
No seu retorno ao país, o educador marcará, em diversos momentos, a sua presença na capital federal, contribuindo em pautas relevantes para a educação brasiliense (Ver Sala 02 da Exposição).