Paulo Reglus Neves Freire, o grande educador brasileiro conhecido mundialmente como Paulo Freire, nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, no estado de Pernambuco. Oriundo de família de classe média baixa, era o caçula entre cinco filhos do casal Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves, que residiam no bairro da Casa Amarela, onde levavam uma vida pacata.

O ambiente doméstico amigável, a convivência baseada no diálogo, respeito pela opinião do outro e, especialmente, a religiosidade da mãe católica tiveram grande influência em sua formação. Paulo Freire levaria consigo os ensinamentos cristãos, cujos princípios incorporou em suas obras relacionadas à educação.

Também aprendeu com a mãe as primeiras letras, riscando o chão do quintal da sua casa, à sombra das mangueiras, fato que, posteriormente, rememorou em seus escritos: “O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”. Em 1927, ingressou na escola particular da professora Eunice Vasconcelos, já alfabetizado.

Com a crise capitalista de 1929, que abalou a economia mundial, a família de Freire passou a ter dificuldades financeiras e decidiu mudar-se para Jaboatão dos Guararapes, situado a 18 km de Recife. Os problemas enfrentados no cotidiano familiar agravaram-se após a perda do seu pai, em 1934, quando ele tinha apenas treze anos de idade.

Não obstante, a infância dele nesse município beneficiou-se de novas experiências e descobertas, que marcariam a sua personalidade. A respeito desse período, Ana Araújo Freire, sua segunda esposa, a partir das memórias de Paulo Freire, descreveu esse cotidiano:

Mas foi também em Jaboatão que sentiu, aprendeu e viveu a alegria no jogar futebol e no nadar pelo rio Jaboatão vendo as mulheres, de cócoras, lavando e ‘batendo’ nas pedras a roupa que lavavam para si, para a própria família, e para as famílias mais abastadas. Foi lá também que aprendeu a cantar e assobiar, coisas que até hoje tanto gosta de fazer, para se aliviar do cansaço de pensar e das tensões da vida do dia-a-dia; aprendeu a dialogar na ‘roda de amigos’ e aprendeu a valorizar sexualmente, a namorar e a amar as mulheres e por fim foi lá em Jaboatão que aprendeu a tomar para si, com paixão, os estudos das sintaxes popular e erudita da língua portuguesa. Assim Jaboatão foi um espaço-tempo de aprendizagem, de dificuldades e de alegrias vividas intensamente, que lhe ensinaram a harmonizar o equilíbrio entre o ter e o não-ter, o ser e não-ser, o poder e não-poder, o querer e não-querer. Assim forjou-se Freire na disciplina da esperança. 

No período de escassez, os estudos de Paulo Freire tiveram de ser interrompidos várias vezes e somente veio a retomá-los em 1937, quando a sua mãe lhe conseguiu uma bolsa de estudos no Colégio Osvaldo Cruz, em Recife, onde concluiu o curso secundário. Após a formatura, em 1941, conquistou o seu primeiro emprego, como professor de língua portuguesa da mesma escola. Paulo Freire seria eternamente grato aos proprietários desse colégio pela acolhida na instituição.

Aos 22 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, que atualmente integra a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tendo concluído o curso em 1947. Embora formado em Direito, Paulo Freire não se mostrou inclinado a exercer a profissão de advogado e continuou no magistério.

Nesse ínterim, conheceu a professora primária Elza Maria Costa de Oliveira, com quem se casou e teve cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. Essa duradoura união contribuiu para sedimentar o seu conhecimento acerca da educação, na medida em que a esposa era professora, uma companheira de trabalho, e compartilhava das discussões sobre as questões que viriam a constituir as futuras preocupações de Paulo Freire no campo profissional.

Em 1947, após a experiência de docência no estabelecimento de ensino em que havia estudado, ele começou a trabalhar no Serviço Social da Indústria(SESI) como diretor do Departamento de Educação e Cultura, tendo sido designado, posteriormente, para o cargo de superintendente da instituição, no qual atuou de 1954 até 1957. O contato diário com os trabalhadores da indústria despertou-lhe a consciência sobre a importância da educação de adultos e da especificidade de procedimentos para o atendimento a essa população.

No decorrer desse período, Paulo Freire manteve interlocuções com um grupo de professores e intelectuais, o que resultou na criação do Colégio Capibaribe, em 1955, uma escola modelar que existe até hoje em Recife e se distingue por adotar uma prática pedagógica com bases democráticas.
Para além da área acadêmica e institucional, o educador participou ativamente dos movimentos de educação popular organizados nos anos iniciais da década de 1960, sendo um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), do Recife, que o marcou afetivamente, com reflexos em sua formação profissional e política.

A inspiração para o trabalho de alfabetização de trabalhadores ganhou concretude na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, na qual ingressou em 1961, como professor de Filosofia e História da Educação, tornando-se, em seguida, diretor do Departamento de Extensão da instituição. No exercício da função, realizou, com a sua equipe, as primeiras experiências de alfabetização popular, que contribuíram para a sistematização do Método Paulo Freire.

Data desse período o envolvimento dele com a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, realizada com sucesso pelo então governo popular do prefeito Djalma Maranhão, de Natal, Rio Grande do Norte. Entretanto, foi a liderança na campanha de alfabetização de Angicos, também no Rio Grande do Norte, que o tornou conhecido nacionalmente como educador comprometido com as transformações sociais.

O reconhecimento da efetividade de seu método, cuja aplicação em Angicos comprovou ser possível alfabetizar adultos trabalhadores em apenas 40horas, levou o ministro da Educação Paulo de Tarso Santos, do governo João Goulart, a convidá-lo para presidir a Comissão Nacional de Cultura Popular, em 1963. Ainda nesse ano, foi designado coordenador do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), que intencionava a aplicação do método Paulo Freire em âmbito nacional, com vistas a alfabetizar, conscientizar e politizar cinco milhões de adultos.

Todavia, com o golpe militar de 1964, o educador foi acusado de subverter a ordem instituída, pelo fato de pôr em prática um método de alfabetização que conscientiza e capacita o trabalhador para a aprendizagem da leitura e da escrita, como instrumentos necessários à sua emancipação e ao exercício da cidadania. Por força do regime ditatorial que se instalou no país, teve de submeter-se a inquéritos policiais militares e foi preso, durante 75 dias, em um quartel em Olinda.

Após nova ameaça de prisão, exilou-se, primeiro na Bolívia e, em seguida, no Chile, naquela época presidido pelo democrata-cristão Eduardo Frei Montalva, tendo sido muito bem acolhido. Neste país, exerceu o cargo de assessor do Instituto de Desarollo  Agropecuario e do Ministério da Educação do Chile, bem como desempenhou a função de consultor da Unesco no Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agraria (ICIRA), atuando em programas de educação de adultos. As condições favoráveis permitiram-lhe desenvolver suas teses, ampliar e difundir os conhecimentos. No Chile, Paulo Freire encontrou um espaço político, social e educativo desafiador, que possibilitou colocar em prática seu método em outro contexto, avaliá-lo e sistematizá-lo teoricamente.

Durante a permanência nesse país, escreveu as obras Educação como prática da liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido (1968),a sua principal obra, que se tornou uma das mais citadas e traduzidas no mundo. A estadia no Chile terminou em 1969, quando, convidado para trabalhar como professor na Universidade de Harvard, foi morar nos Estados Unidos.

No ano seguinte, mudou-se para Genebra, na Suíça, onde assumiu a função de Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, lá permanecendo até seu retorno para o Brasil, em 1980. Na função de consultor, viajou para Ásia, Oceania, América e para países de língua portuguesa na África (Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau).

A relação de Paulo Freire com a África foi de empatia profunda, pelas razões que ele próprio descreve, de forma poética, em Cartas à Guiné Bissau: registros de uma experiência em processo (1977):

Falei da Tanzânia para salientar […] o quanto me foi importante pisar o chão africano e sentir-me nele como quem voltava e não como quem chegava. Este sentir-me em casa, no chão africano, se repetiu, em certos aspectos de maneira ainda mais acentuada, quando […] visitei, com a equipe do Instituto de Ação Cultural –IDAC pela primeira vez, a Guiné-Bissau. Poderia dizer: quando “voltei” à Guiné-Bissau.

Em Guiné-Bissau, Paulo Freire desenvolveu um projeto de assessoria, a partir de meados da década de 1970. O país acabara de se libertar do colonialismo português (1974) e era liderado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), de orientação marxista e chefiado por Luiz Cabral, que foi deposto por um golpe militar, em 1980.

Os relatos sobre a presença de Paulo Freire em Guiné-Bissau mostram sua sensibilidade para perceber que não seria possível alfabetizar a população em português, língua do colonizador, contra o qual haviam se rebelado e lutado pela independência. Tal fato exemplifica um dos aprendizados fundamentais legados por Paulo Freire em sua atuação nos países africanos, qual seja o de respeitar a cultura das comunidades locais.

Em 1979, com a promulgação da anistia política, Paulo Freire voltou ao Brasil, após 16 anos de exílio. Ele visitou São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, durante o mês de agosto, e retornou a Genebra, para discutir com a sua família, o IDAC e o Conselho Mundial de Igrejas seu retorno definitivo ao país, o que só veio a ocorrer em março de 1980. Na sua chegada definitiva ao país, ainda no aeroporto, Paulo Freire afirmou: Dezesseis anos de ausência exigem uma aprendizagem e uma maior intimidade com o Brasil de hoje. Vim para reaprender o Brasil.”

Quando ainda estava na Europa, o educador recebeu o convite de Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo, para lecionar na Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O convite se concretizou no mesmo ano de sua chegada ao Brasil. Passou, então, a lecionar no Programa de Pós graduação da referida universidade e, posteriormente, vinculou-se, também, à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A vida acadêmica foi, então, enriquecida pela sua farta produção intelectual e participação em atividades voltadas à pesquisa e gestão universitária, buscando sempre a valorização da educação popular e da formação docente. Assim, em 1981, publicou Educação e mudança e, em 1982, A importância do ato de ler, livro que mereceu, em julho de 1990, o Diploma de Mérito Internacional, concedido pela International Reading Association, na Suécia. Em 1983, participou da Fundação Vereda – Centro de Estudos em Educação, em São Paulo, cujo objetivo era desenvolver pesquisas, prestar assessoria e atuar na formação de professores dedicados à prática da educação popular. Integrou, de 1985 a 1991, o Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, que demandou do educador vindas periódicas à cidade.

Paulo Freire na Universidade de Brasília (UnB) – Fotos: Arquivo Central UnB

Fato doloroso consistiu na perda de sua primeira esposa, Elza Maia Costa Freire, falecida em 1986, após 40 anos de convivência afetiva, cumplicidade e parceria na ação educativa. A tristeza e o desânimo que o abateram nesse período somente seriam superados quando conheceu Ana Maria Araújo, com quem se casou em 27 de março de 1988.

No ano seguinte, recebeu o convite da então prefeita da cidade de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiza Erundina, para exercer o cargo de secretário municipal de educação. Paulo Freire, que, logo após o seu retorno ao país, filiou-se ao PT e participou da elaboração do programa de educação do partido, aceitou o desafio, tendo permanecido no cargo de 1989 a 1991. Entre as ações realizadas em sua gestão na Secretaria Municipal de Educação, destaca-se a criação do Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo (MOVA-SP). Afastou-se da Secretaria após dois anos, mas continuou ativo colaborador. A prefeita Luiza Erundina afirmou, por ocasião da saída de Paulo Freire, que ele estava sendo “devolvido ao mundo”.

Ao deixar o cargo de secretário municipal de educação, Paulo Freire retornou à PUC/SP, voltando a dedicar-se à produção intelectual. Nos anos seguintes, publicou Pedagogia da Esperança (1992), Carta a Cristina: reflexões sobre a minha vida e minha práxis (1994), Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (1993), Política e Educação (1993), À Sombra desta Mangueira (1995), além de outros escritos com diversos educadores e inúmeros artigos e conferências.

O Instituto Paulo Freire, criado em São Paulo, no ano de 1991, constitui o locus que reúne o acervo de livros, vídeos, fotografias e outros documentos da vida pública e privada desse grande educador brasileiro. Essa é uma das principais instituições que se dedica à divulgação de seu legado no Brasil e no exterior.

Reconhecido mundialmente pela sua práxis, o nome de Paulo Freire foi adotado por inúmeras instituições. Consagrado como o terceiro pensador mais citado do mundo na área de humanas, a ele foram outorgados dezenas de títulos de doutor honoris causa de universidades, como Harvard, Cambridge e Oxford, bem como concedidos títulos de cidadão honorário de várias cidades brasileiras e estrangeiras. Por seus relevantes trabalhos na área educacional, recebeu, entre outros, o Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento (Bélgica, 1980); o Prêmio Unesco da Educação para a Paz (1986) e o Prêmio Andres Bello, da Organização dos Estados Americanos, como Educador do Continente (1992).

Entre as centenas de homenagens recebidas no país, mencione-se a ocorrida em Brasília, em agosto de 1996, na cidade-satélite de Ceilândia, quando teve suas mãos moldadas em placa de cimento construída por Valdivino Ferreira da Silva — um pedreiro alfabetizado com seu método.
Em abril de 1997, foi realizado o lançamento de seu último livro, intitulado Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, importante obra do ilustre pensador e filósofo da educação brasileira. Paulo Freire faleceu no mês seguinte, no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio.

A memória de Paulo Freire permanece viva no Brasil e no mundo. A força das ideias, a nobreza de propósitos e a coerência entre pensamento e ação constituem características que retratam a grandeza do educador. O ideário freiriano, fortalecido ao longo do tempo, estende-se para outras áreas do conhecimento, influenciando inúmeros movimentos, ações e projetos contemporâneos, desenvolvidos por meio do diálogo e do respeito à diferença.

Em abril de 1997, foi realizado o lançamento de seu último livro, intitulado “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”, importante obra do ilustre pensador e filósofo da educação brasileira. Paulo Freire faleceu no mês seguinte, no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio.

A memória de Paulo Freire permanece viva no Brasil e no mundo. A força das ideias, a nobreza de propósitos e a coerência entre pensamento e ação constituem características que retratam a grandeza do educador. O ideário freiriano, fortalecido ao longo do tempo, estende-se para outras áreas do conhecimento, influenciando inúmeros movimentos, ações e projetos contemporâneos, desenvolvidos por meio do diálogo e do respeito à diferença.